quinta-feira, 25 de março de 2010

II - A VERDADE SOBRE RITA EMBOAVA

Celso e Junko pesquisando via internet – foto original
Sérgio Fleury Moraes – www.debate.com.br

1. Documentos atestatórios 
Apenas no ano de 2010 resgatados, por SatoPrado, os documentos que atestam a biografia da personagem, o nome do marido, os registros dos filhos, sua história de vida.
Rita Emboava, conhecida por Sinhá ou Nhá Rita, também Ritinha, mulher agraciada no imaginário popular santacruzense, com segurança histórica viveu em Santa Cruz do Rio Pardo – zona urbana, entre os anos de 1884 a 1931.
Ela sofria o Mal de Hansen, e todos sabiam disto.
"Quem não conhece em Santa Cruz essa misera mulher, marcada pelo ferrete de Lazaro, a Nhá Rita, que arrasta pelas ruas, de porta em porta, a implorar a caridade, as desgraças de sua alma dolorosa, a chagas do seu sangue envenenado?" 
"(...)."
"Tropega, com um pé ja devorado pelo vírus da Morphéa, manquejando, passa ela diariamente, sempre delicada, denotando alguma educação, a implorar para seu filho." 
"(...)." 
"Nesse mendigar diurno por uma mulher que se arrasta com dificuldade, colhendo esmolas que lhe atiram ao colo emagrecido, ella obedece ao mais sublime dos sentimentos nascidos do coração, (...): o amor de mãe. Ver morrer este filho a trescalar como carniça (...), é dor para o qual não ha conforto; é dor sobrehumana que bestializa, anniquila, desvaira. (...)." 
"Mas não, essa dor teve um abrigo, esse abrigo foi debaixo das asas brancas do anjo da Caridade, que foi levar em nome de N. Senhora do Carmo, o alimento, o conforto, a extrema-uncção de um consolo, de uma esperança numa outra vida, para onde partiu agradecida aquella alma supliciada." 
"(...)". 
-Correio do Sertão, 14/03/1903: 1, coluna Aos Sabbados, assinada pelo pseudônimo Sertanejo). 
Na mesma edição, a 'Irmandade Nossa Senhora do Carmo', ao prestar contas das atividades caritativas-sociais com medicamentos e alimentos aos menos favorecidos, informou "(...) e a um d'elles, Antonio, filho de Nha Rita, fez o enterro, modesto é verdade, mas a que nada faltou, do caixão à mortalha, despendendo só com o enterro, quantia superior a 20 mil réis." (Correio do Sertão, semanário, edição de 14/03/1903: 2, artigo assinado pelo farmacêutico e membro da ordem, Antonio Sanches Pitaguary). 
No Registro de Óbito de Antonio, filho de Nhá Rita, constou: 
"Aos vinte e cinco dias do mez de Fevereiro de mil novecentos e três, nesta Villa de Santa Cruz do Rio Pardo compareceu no meu cartorio Joaquim de Oliveira Lima, e na presença das testemunhas abaixo declarou que hoje pela duas horas da madrugada, nesta Villa falleceu uma pessoa do sexo masculino de nome, Antonio Martins de Linhaes, com trinta e dois annos, solteiro, natural desta Parochia e residente nesta Villa. Dita pessôa é filho legitimo de João Miguel de Linhaes e de Rita de Andrade e falleceu proveniente de morphea e seu cadaver vai ser sepultado no cemiterio Municipal desta Villa. E para constar lavrei este termo que assigno com o declarante e as testemunhas abaixo que assistiram o obito. (...)" (Cartório de Registro Civil (...), Livro C-4, de 16/03/1902-30/12/1903: 169, Registro 2021, Santa Cruz do Rio Pardo, mantida conforme grafia da época).
A dar crédito ao informante do óbito, o falecido teria nascido em Santa Cruz do Rio Pardo, como região ou local, no ano de 1871, revelando a mãe 'Rita de Andrade' e o pai 'João Miguel Linhaes’, talvez sobrenome Linhares.
O registro de batismo de Antonio Martins de Linhaes, assim como o assento de casamento de seus pais, teria ocorrido após setembro de 1870, quando o sertão sem padre por dois anos, pela morte do padre Andrea Barra, por assassinato, e no período 1870/1872 padres visitadores faziam os sacramentos, registrando- os, todavia ignorado para onde levados os livros. Presume-se Rita casada com Linhaes em final de 1870 e o filho nascido em 1871.
Documento anterior ao óbito de Antonio, informa o batismo de Guilherme, aos 16 de abril de 1874, idade de nove dias, filho legítimo de Rita Generosa de Andrade e João Miguel Linhares [Linhaes], ato oficiado pelo reverendo padre João Domingos Figueira, e foram os padrinhos Domiciano José de Andrade e a esposa Maria Domiciana Leite – tios avós de Rita. Guilherme faleceu em Santa Cruz do Rio Pardo, aos 09 de junho de 1890, de "morpheia" (Livro de Óbitos, 100_5219), quando já falecido o seu pai.

2. 'Ritinha Emboava' - a identidade revelada
'Rita Generoza de Andrade', então, não simplesmente aconteceu na urbe santa-cruzense num dia qualquer, no início do século XX, já hanseniana, num tempo que qualquer enfermo daquela natureza era escorraçado da cidade, perseguido e preso pela polícia para confina- mento compulsório num leprosário.
Assim, entender Rita doente a esmolar pelas ruas de Santa Cruz do Rio Pardo, sem perturbação alguma, ou era o seu maior milagre realizado, ou tinha ela a proteção imposta pelo sobrenome Andrade, o mais importante na sociedade regional da época e por décadas seguintes. 
Rita era uma Andrade, confirmada em seu documento batismal de 15 de setembro de 1859, com idade de três meses, "filha legítima de José Joaquim de Andrade e Anna Luiza de Jesus", sendo oficiante do ato o Reverendo Padre Andrea Barra, Vigário da Freguesia de São Domingos (Batismos, Santa Cruz do Rio Pardo, Livro 1859-1879: 9).
Por Luciano Leite Barbosa, descendente (pentaneto) de Joaquim Manoel de Andrade – 'O Pioneiro do Turvo', quanto à filha dos seus tetravôs, José Joaquim de Andrade e Anna Luiza de Jesus, "Se ela for essa tal Rita Emboava, teria 15/16 anos de idade quando batizou o filho Guilherme em 1874.(...)."
A mãe de Rita, dona Anna Rita [ou Luiza] de Jesus, era filha de José Rodrigues da Silva e Maria de Nazareth, estes nascidos, batizados e casados em Aiuruoca-MG, e anos depois, na então província paulista – sertão de São Domingos, foram os donos primitivos da fazenda Santa Cruz da Boa Vista (DOSP, edição de 05/02/1909: 396-397), onde moravam em 1859, quando do nascimento de Rita. 
A fazenda Santa Cruz da Boa Vista se tornou, bem depois, o Distrito de Domélia hoje pertencente ao município de Agudos. O todo da então fazenda Santa Cruz era conhecido como 'Boca da Mata' ou 'Boca do Campo' (DOSP, op.cit), antiga zona eleitoral onde inscrito, sob nº 105, o pai de Rita (Lista Geral de Votantes, da Freguesia de São Domingos, Município de Botucatu, ano de 1859, 4º Quarteirão do Turvo Boca da Matta).
Em 1931, o último documento localizado referente a 'Nhá Rita', o registro do seu óbito:
"Aos vinte sete dias do mez de outubro de mil novecentos e trinta e um nesta cidade de Santa Cruz do Rio Pardo no Cartorio compareceu Antonio Bertoncini Filho, exibiu um attestado medico do Dr. A. Guimarães [Abelardo Pinheiro Guimarães] declarando-me que hoje, às duas horas nesta cidade, no domicilio do "Leproso", faleceu uma pessoa de cor branca do sexo feminino de nome "Rita Emboava", de setenta annos de edade natural de São João da Boa Vista deste estado, viuva de pessoa ignorada residente nesta cidade e de filiação ignorada vae ser sepultada no Cemiterio local, do que fiz este termo que assinado pelo declarante. (...)" (Cartório de Registro Civil, Livro C - 20, fls 222 - verso e 223, certidão nº 614, Santa Cruz do Rio Pardo-SP).
Rita, por todos os documentos levantados pelos autores, não nasceu em São João da Boa Vista, conforme declaração dada em seu óbito, certamente o informante a ignorar, trocar ou confundir Santa Cruz da Boa Vista – que não existia mais com esse nome, por São João ambos da Boa Vista. 
Não se sabe desde quando Rita efetivamente residente na zona urbana de Santa Cruz do Rio Pardo, certamente depois de casada e após sua viuvez, acolhida pelo médico italiano 'Samuel Genuta' que estudava e tratava hansenianos, em sua chácara, lugar depois denominado por 'Domicílio dos Leprosos', nas imediações do Ribeirão São Domingos – antes do início da rua Saldanha Marinho. 
Samuel Genuta o primeiro médico em Santa Cruz do Rio Pardo, vide 'Santa Cruz do Rio Pardo: memórias, documentos e referências' em 1.1. (http://satoprado-ebook.blogspot.com/2014/07/1883-saude-no-sertao.html).
Testemunhos de pessoas que conheceram Rita descrevem-na pessoa miúda, humilde e muito doente, que jamais reclamava de sua moléstia, sempre otimista e pronta para aconselhamentos, às muitas pessoas que iam procura-la por problemas aflitivos diversos, a troco de alimentos, roupas e artigos de limpeza.
Apesar da miserabilidade, 'Nhá Rita' sempre repartia seus ganhos com outros hansenianos acampados na Água do Pires – lugar então retirado da cidade.
-o-
Antigos documentos eclesiais recentemente colhidos em São João da Boa Vista informam uma criança por nome Rita, nascida naquela freguesia em 1848, filha de José Antonio de Andrade com Generosa Maria (Records Preservation, Livros Eclesiais, Batismos - São João da Boa Vista, 1833/1858: 144 - CD: A/A). Os autores pesquisaram detalhes sobre a informada sem resolução de mérito.



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